Semana pela Vida: saiba quais os riscos que ela oferece aos direitos conquistados pelas mulheres
- Yasmin Moraes
- 22 de nov. de 2021
- 5 min de leitura

O texto da Lei 11.159 defende a criação de um calendário de eventos em Fortaleza, em que serão transmitidas informações contra aborto e métodos anticoncepcionais
No segundo semestre de 2021, instalou-se em Fortaleza, no Ceará, uma discussão sobre a Lei 11.159, que foi aprovada pelo prefeito José Sarto (PDT). O texto defende a criação de um calendário de eventos na Capital, em que serão transmitidas informações contra aborto e métodos anticoncepcionais. Além da temática polêmica, que pode ser considerada uma forma de atrapalhar as conquistas das mulheres nos últimos anos, o contexto em que a lei foi aprovada também levantou questionamentos. Para entender o caso e saber o que pode ser feito para reverter essa situação, o portal Salute! contou com a participação da advogada e ativista digital no perfil @laqueadurasemfilhossim, Patrícia Marxs.
Segundo Patrícia, o texto da lei é confuso e foi preciso que ela lesse mais de uma vez para entender a periculosidade da proposta. As ideias mais problemáticas são encontradas na propagação dos malefícios dos métodos contraceptivos, que vai contra a Lei Federal 92.63196 do planejamento familiar.
“O Estado tem que propiciar a informação sobre os riscos, os prós e os contras. O Estado não deve propiciar a desinformação, e ao meu ver nessa lei, o ente público vai estar contra a lei federal do planejamento familiar e também está contra o dispositivo constitucional 226, parágrafo 7, que descreve que é um direito o planejamento familiar a homens e mulheres”, exemplifica.
Há ainda a proposta de campanhas publicitárias e informativas contra a prática do aborto, o que também fere a Constituição, visto que, no Brasil, existem três situações em que o aborto não é punível: fetos com anencefalia, violência sexual e risco à vida da mulher.
Confira o texto da lei na íntegra:
LEI Nº 11.159, DE 03 DE SETEMBRO DE 2021
Institui, no Município de Fortaleza, a Semana pela Vida e dá outras providências.
FAÇO SABER QUE A C MARA MUNICIPAL DE FORTALEZA APROVOU E EU SANCIONO A SEGUINTE LEI:
Art. 1º - Fica instituída, no Município de Fortaleza, a Semana pela Vida, a ser comemorada anualmente de 1º a 7 de outubro, passando a celebração a integrar o Calendário Oficial de Eventos do Município.
Art. 2º - A Semana pela Vida tem como finalidade promover:
I - campanhas publicitárias, institucionais, seminários, palestras e cursos informativos a respeito da gestação e dos cuidados necessários antes, durante e depois do parto;
II - campanhas publicitárias e informativas contra a prática do aborto, mediante o convênio com organizações que ofereçam suporte psicológico, social e médico a gestantes, bem como orientações dos malefícios do aborto à mulher, sem qualquer promoção da prática ou de seus supostos benefícios ou facilidades;
III - a integração de pessoas com necessidades especiais, com deficiência motora, visual, auditiva, cognitiva ou
de qualquer outra ordem, adquirida congenitamente ou de qualquer outra forma, sobretudo se forem ainda crianças;
IV - a integração e a assistência de idosos em situação de abandono, por meio de convênios com os asilos situados no Município de Fortaleza;
V - a integração e a assistência de crianças órfãs, mediante convênios com os orfanatos situados no Município de Fortaleza;
VI - audiências públicas para tratar dos principais problemas de natureza pública enfrentados pelas mães antes,
durante e depois do parto, bem como na criação dos filhos;
VII - campanhas de informação a respeito dos malefícios médicos e psicológicos da utilização de anticoncepcionais;
VIII - o reconhecimento público de entidades que atuem na luta contra o aborto e em defesa da vida em todos os
seus estágios, desde a fecundação até o seu ocaso natural.
Art. 3º - VETADO
Art. 4º - As despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias
próprias, suplementadas, se necessário.
Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas todas as disposições em contrário.
PAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, EM 03 DE SETEMBRO DE 2021.
José Sarto Nogueira Moreira
PREFEITO MUNICIPAL DE FORTALEZA
Por que a lei foi aprovada?
Depois que informamos a inconstitucionalidade da lei, você deve estar se perguntando o porquê de ela ter sido aprovada. Por isso, vamos recapitular desde o começo.
A lei foi proposta pelo vereador Jorge Pinheiro (PSDB) em janeiro de 2017 e só em agosto deste ano passou pela Comissão de Direitos Humanos. Lá, foi julgado por uma vereadora fundamentalista, sendo aprovado, e passou, mesmo contendo ideais que ferem o direito da mulher. Em seguida, o projeto foi encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça, onde deveria ter sido constatada a inconstitucionalidade, mas prosseguiu porque, na época, o autor, Jorge Pinheiro, substituía o presidente da Câmara que estava de licença.
À princípio, a Semana pela Vida deveria acontecer em março, mas o autor decidiu mudar a data para outubro, o que gerou uma emenda. Patrícia descreve um vídeo do momento da aprovação. “Na hora de votar no plenário, ele nem cita direito qual foi esse projeto de lei que foi aprovado. Os vereadores pareciam que estavam um pouco distraídos, não perceberam aquilo, e quem tiver de acordo, permanece como está. Então, quem não fala nada está de acordo, quem cala, consente. Porém, não foi debatido e nem aprovada a emenda que muda a data, ou seja, é outro erro de constitucionalidade”.
Depois da divulgação na mídia, surgiram muitas críticas ao evento e ao prefeito, que é ginecologista e que trouxe a bandeira dos direitos das mulheres durante a sua campanha em 2020. Por isso, em outubro ele publicou um decreto que edita a lei para incluir temas como as políticas públicas relacionadas aos cuidados na gestação, prevenção da gravidez na adolescência, a integração de pessoas com necessidades especiais, e a inclusão de assistência a pessoas em situação de abandono e crianças órfãs. No entanto, como explica Patrícia, a função de um decreto é regulamentar uma lei e não modificá-la.
“Até o decreto eu achava que era um mal entendido, mas depois que houve o decreto e que foi divulgado que ele ia vetar a lei, depois disso foi que eu percebi do que eu estava diante porque não tem como vetar uma lei, só se veta projeto. Na cabeça dele, ele está diante de pessoas que não tem conhecimento, que não conhecem o processo legislativo”, afirma.
Por que homens se incomodam tanto em tentar controlar corpos femininos?
Você se surpreende que essa lei tenha sido criada por um homem? Bem, eu não. E nem a nossa entrevistada. Patrícia acredita que esse controle tem a intenção de oprimir, além de ser satisfatório não deixar que tenhamos direitos garantidos. “Eu acho que a maternidade é um instrumento de opressão e para eles não é interessante que nós tenhamos os nossos direitos reprodutivos assegurados. A mulher vai no posto de saúde, ela não tem nem ginecologista porque a gestão municipal tirou. Você marca, só tem três meses. Qual a mulher que consegue esperar?”, destaca.
De acordo com a advogada, a forma como acontece o embate de ideologias também prejudica a causa e faz com que a luta “pela vida” tenha uma espécie de aparência heroica. “Eu também acho que é porque ficou uma luta bonita. É bonito você lutar por uma causa que protege a vida. Em contrapartida, eles utilizam essa pauta para lutar por uma coisa que já é crime e para criminalizar os métodos contraceptivos. Em contrapartida, surgem correntes que apoiam a descriminalização do aborto e, ao invés de dizer que o aborto é permitido em três casos, que os métodos contraceptivos são legalizados, fica o embate, um cabo de guerra”, informa.
Qual o desfecho dessa história?
A Semana pela Vida deveria acontecer anualmente entre os dias 1º a 7 de outubro, mas neste ano, não sabemos se houve ou não.
De agosto a outubro, Patrícia tentou agir para modificar a lei. Ela procurou o prefeito para propor outras formas de propiciar a vida dentro da legalidade, mas não obteve resposta. “Talvez, quem sabe, precisem ano que vem que tem eleição”, questiona.
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