Crônica: Ela foi e eu fiquei
- Yasmin Moraes
- 22 de out. de 2021
- 3 min de leitura

Dica: leia essa crônica ouvindo "Three Empty Words" do Shawn Mendes
Era tarde de uma quinta-feira qualquer de novembro. Estava cansada da faculdade e ainda assim tive que ir em pé no ônibus, durante a volta para casa. “Que sorte”, pensei. Pelo menos poderia aproveitar minha playlist preparada especialmente para essas situações. Até que alguém muito conhecido apareceu. Não, caro ouvinte. Não era nenhum antigo ou futuro namorado, mas sim uma pessoa que provavelmente conhecia mais o meu antigo eu do que essa que vos fala.
Conheci Lia aos 3 anos quando entrei na escola. Ela, como todos os meus outros colegas, era meses mais velha, porém a que menos tinha diferença de idade. Não lembro ao certo como ficamos tão amigas, mas sei que durante anos fomos uma espécie de quarteto imbatível. Eu, ela e mais duas amigas. Uma delas continua sendo minha duplinha inseparável.
Lia era uma das pessoas que eu sabia de quase tudo sobre, apesar de que nem ela, nem ninguém chegou a saber quase tudo sobre mim. Lembro de quando brincávamos aos sábados em uma praça que até hoje frequento com os meus amigos. Os que realmente ficaram. Acredite, não estou julgando-a. É só que muita coisa mudou. E quando digo muita, é basicamente tudo.
Passamos exatos 10 anos estudando, vivendo juntas e eu a considerava uma das minhas melhores amigas. Quem me conhece sabe o quanto amizades significam para mim. Meus amigos são minha segunda família e é com eles que eu me sinto completamente segura, sem escudos. Lia era uma dessas bastante especial e quando ela foi embora, acredite, eu chorei. Chorei pra caramba enquanto ouvia I’ll always remember you. Sim, é uma música da trilha sonora de Hannah Montana, mas o que eu posso fazer se combinava com o meu momento?
Não sei como foi pra ela ter mudado de cidade, de escola, de amigos. Para mim foi como perdê-la para sempre. E foi exatamente isso que aconteceu. Já nos vimos outras vezes, na nossa cidade no interior, mas nunca assim, de coincidência. Principalmente no mesmo ônibus. Também não sei se para ela foi tão estranho como foi para mim.
Nossa conversa não foi bem uma conversa. É inegável o desconforto que foi para nós duas, não sabíamos como agir ou o que falar. Mas ela falou. Perguntou onde eu estava morando e algumas outras coisas que eu não consigo lembrar. Não lembro porque estava ocupada demais pensando na vida. Pensando em como as pessoas se perdem umas das outras.
Lia acompanhou o meu crescimento, meus dentes sendo trocados, meu cabelo ficando liso, meu quadril ficando maior, meu grau aumentando, meu primeiro namoro. E em grande parte da vida dela, eu estava lá. Muitas vezes sendo espectadora ou coadjuvante. Mas em algum momento nos perdemos. Não sei se foi quando ela foi e eu fiquei.
Pensei em como a vida era irônica. Como sabíamos tanto uma da outra e como tínhamos compartilhado tantas descobertas juntas, mas naquele instante éramos meras desconhecidas. Pensei em como as pessoas são tão passageiras como momentos. Durante esses meses, tenho tido provas de que alguns farão parte da minha vida até certo ponto. Depois, eu não sei bem o que acontece, mas nós simplesmente nos vamos e o que passamos juntos fica guardadinho em algum lugar especial do coração.
Após minutos em silêncio, chegamos na parada em que ela desceria. Lia me deu um singelo “tchau” e um beijo na cabeça. Por dentro, sabemos que continuaremos tendo muito significado uma para a outra, mas ali éramos só duas garotas seguindo a vida de jeitos diferentes. Ela desceu, eu coloquei os fones. Ela foi e eu fiquei. De novo. E seguimos em frente. Até a próxima, Lia.
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